Raul Engelhard foi um homem culto, paraense cidadão do mundo e grande desportista. Viajou pela Europa, estudou no Velho Continente e, em um de seus giros pela Inglaterra, se apaixonou pela regata, esporte da moda - e de elite - no começo do século XX.
De volta a Belém, passou a praticar a modalidade no Sport Club Pará e lá teve como colegas um grupo formado por Vitor Engelhard, Eduardo Cruz, Vasco Abreu, Narciso Borges, Eugênio Soares e José Henrique Danin. Por alguma discordância, a turma se desentendeu com outros integrantes do clube e saiu para não mais voltar. Firmaram um pacto de fazer a coisa do jeito deles e fundaram, dia 5 de fevereiro de 1905, o Grupo do Remo.
Tudo muito azul, mas aquele nome incomodava Engelhard. Lembrou-se de um nome mais sonoro e representativo, que conhecera na Inglaterra, o Rowing Club. Foi correndo atrás dos colegas, os encontrou treinando na baía do Guajará e, inspirado no Rowing Club, propôs sua tradução literal, para o português: Clube do Remo.
A partir desse batismo informal, aqueles sete atletas logo já eram 20, mais à frente centenas e hoje, 105 anos depois, somam 1,3 milhão de torcedores, segundo o Ibope, que classifica a torcida azulina como a maior do Pará e 16° maior do Brasil. Para os remistas, entretanto, o número de torcedores estaria, hoje, acima de
Contar aqui, ainda que resumidamente, a história do Clube do Remo, seria uma grande pretensão, já que o Filho da Glória e do Triunfo nem cabe nos mais de 40 mil lugares do Mangueirão. Mas é impossível ignorar a importância da agremiação para o esporte e a sociedade paraenses, nesses mais de 100 anos de atividades.
As competições de regata, que deram origem a tudo no clube, ainda têm seu prestígio, mas o que realmente movimenta milhões de corações azulinos é o futebol profissional. Cada vez que os jogadores entram em campo as arquibancadas estremecem, as bandeiras tremulam ao som do hino “Atletas azulinos somos nós, e cumpriremos o nosso dever...” e o Estado literalmente para. É o Fenômeno Azul, que originou a frase emocionada do então treinador do Grêmio Coariense (AM), Luis Carlos Winck, em partida da série C, que arrastou 40 mil torcedores ao Mangueirão: “Isso aqui é público de Copa do Mundo”.
Jogos Inesquecíveis
Já são dezenas os jogos inesquecíveis para a torcida do Remo e os fãs de futebol em geral. Como esquecer a primeira e, até agora, última vez que Pelé jogou em Belém, em 1965, quando o Santos venceu o Leão por 9 x 4, com quatro gols do “rei”, que chegou a vestir a camisa azulina?
Três anos depois, o Leão jogou contra o Benfica, de Portugal, no Baenão, e empatou em um gol. Nada demais se o time não fosse a base da seleção portuguesa, que, na Copa da Inglaterra de 1966, eliminou o Brasil e ficou em terceiro lugar. Em uma comparação direta, o Remo de 1966 era, portanto, melhor que a própria seleção brasileira de Pelé e Garrincha.
Na década de 1970, o já famoso “esquadrão azulino”, que contava com Dico, Marinho, Dutra, Rui Azevedo, Cuca, Mego, Aderson, Leônidas, Alcino e muitos outros craques, bateu, por 2 x 1, o Flamengo de Zico, Junior e Rondinelli em pleno Maracanã. O jogo era válido pela série A do Brasileiro e o rubro-negro carioca, pouco depois, levantaria vários campeonatos cariocas, brasileiros, a Libertadores e o Mundial de Clubes, em 1981.
Conquistas históricas
O Remo foi Tricampeão do Norte, Campeão Nacional Norte-Nordeste e teve duas ótimas participações na Copa do Brasil, em 1991, quando ficou com a quarta melhor campanha e cinco anos depois, com o 13° lugar na tabela. Já foi 42 vezes Campeão Paraense, sendo que foi heptacampeão entre 1913 e 1919, foi o primeiro time do Pará a ser campeão vencendo todas as partidas que disputou (14, em 2004, o conhecido Leão 100%), e conquistou a série C no ano seguinte.
Isso sem contar o famosíssimo tabu em que o arquirival Paysandu ficou 33 jogos, ou quatro anos e quatro meses, sem vence-lo, fosse em partidas oficiais ou amistosas. Nesse período, o Remo foi pentacampeão paraense e, em um jogo inesquecível, em 1997, marcou três gols em apenas 11 minutos e virou para cima do Papão. Detalhe: o time ficou sem técnico e os experientes Belterra e Agnaldo comandaram os companheiros, ao mesmo tempo em que jogavam.
Ídolos imortais
Centenas de atletas profissionais já vestiram o “manto sagrado” azulino, mas alguns entraram para a galeria dos ídolos imortais e ainda hoje são festejados nas ruas de Belém, e do interior do Pará. O centroavante Alcino foi o mais folclórico de todos os boleiros que já vestiram azul-marinho. Marcava gols incríveis, era amado pela torcida e dava muita dor de cabeça nos dirigentes por causa de sua vida boêmia. Os mais antigos dizem que ele farreava a noite inteira e chegava à concentração poucas horas antes de clássicos decisivos contra o Paysandu. Bastavam, dizem, umas cinco ou seis horas de sono para o “Negão Motora” entrar em campo e demolir o Papão. Falecido há poucos anos, Alcino bem que merecia uma estátua no Baenão...
Junto com Alcino fazem parte da mitologia azulina o zagueiro Dutra, que ainda hoje é chamado nas ruas de “capitão”, tamanha a força de sua imagem envergando a braçadeira; Leônidas, que ficou famoso pela irreverência e a facilidade com que fazia gols; Neves, o “Nevasca”, um dos maiores pontas do futebol brasileiro; Marinho, lateral-direito tão cheio de categoria que seu reserva, por um período, foi Nelinho, titular absoluto na seleção brasileira que jogou a Copa de 1978; Júlio César, o “Uri Geller”, que tinha o dom de entortar os adversários com seus dribles mortais e Mesquita, meia habilidoso, com extraordinária visão de jogo, e exemplo de atleta determinado.
Por que se orgulhar?
O Clube do Remo tem 105 anos de história, 42 títulos de campeão paraense, a maior torcida do Pará, segundo o Ibope, jogou contra o Santos de Pelé, empatou com o Benfica, base da seleção portuguesa na Copa de 1966, bateu o Flamengo de Zico, dentro do Maracanã, nos anos 70, e detém o histórico tabu de 33 jogos sem perder para o Paysandu, entre 31 de janeiro de 1993 e 7 de junho de 1997. É ainda o Filho da Glória e do Triunfo e teve seu hino composto pelo poeta Mario Tavernard, um dos maiores da nossa literatura.
fonte: O Diário do Pará